terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Peter e Wendy


Quando pensamos em Peter Pan, associamos diretamente à imagem bem consolidada em nossas cabeças da aventura que Wendy e seus irmãos realizaram à Terra do Nunca. Lembramos das fadas, dos piratas, das sereias, dos índios, do crocodilo que engoliu um relógio e do são bernardo que exerce papel de babá das crianças.

A história deliciosa do menino que não cresce faz jus às numerosas adaptações teatrais e cinematográficas da trama. Porém os desafortunados que conhecem apenas essas versões não podem imaginar o fator mais notável desta obra - a escrita de James Barrie.

Enquanto demais autores de livros infantis se preocupam em ressaltar o quão fantásticos são seus universos, Barrie abusa de recursos como afirmativas categóricas - com destaque para a frase de abertura do livro: "All children, except one, grow up." - e referências a histórias externas ao livro (por diversas vezes ele descreve o capitão James Hook como o único homem que Barba Negra temeu) para tornar o inverossímil inquestionável.

Outro recurso interessante para tratar a verossimilhança é a presença de elementos inusitados na rotina da família Darling, como Nana, a babá canina mencionada anteriormente. Mas veja bem: Nana não fala ou gesticula de forma prosopopeica. Barrie nos conta o que ela pensa e faz, deixando por conta de nossa imaginação os detalhes do método. Por exemplo, Nana dava a Michael seu remédio todas as noites. Barrie não nos diz se ela pega uma colher com a boca ou o vidro com as patas e assim não abre espaço para questionamento. Após retirar nosso chão e nos preparar para esses elementos curiosos - porém aparentemente viáveis - ele nos explica como em contos mitológicos porque algumas coisas são do jeito que são. Se vamos dormir inquietos e agitados e acordamos tranquilos é porque nossas mães entram em nossas cabeças, dobram os pensamentos agradáveis e os guardam em gavetas e descartam os maldosos e tristes.

Ou seja, Wendy não é retirada de um ambiente entediante para uma terra fantástica como acontece com Dorothy e Alice. Wendy viveu coisas muito reais, você é que até então não tinha observado por esta ótica. Ou observou e se esqueceu. Porque Peter Pan trata de tempo e memória (ou falta de), e de como nosso inevitável amadurecimento nos retira capacidades incríveis que possuíamos e acrescenta preocupações fúteis como carreira e status social.

9 comentários:

Lúcia disse...

Post que exige pelo menos algumas continuações de tantas coisas maravilhosas que existem nessa obra

Bernardo Versiani disse...

"Temos força suficiente para a política e o comércio, para a arte e a filosofia, mas não o suficiente para brincar." - G.K. Chesterton

Agora é só não parar. Mais textos!!! <3

Dri Mattoso disse...

bela reflexão. bjs moms

Anônimo disse...

Tô besta! Delícia de surpresa, encontrar reflexões construtivas, inteligentes, com utilização de gancho que nos seduz de cara, pela referida obra mestra sobre o clássico conceito a respeito da genial e "artística simplicidade" do olhar infantil.
Muito bem escrito.
Parabéns.
Aguardo o próximo.
Beijos.
Vera Versiani.

Lúcia disse...

Bê, obrigada por mais essa inspiração <3

Moms obrigada!! :*

Vera, adorei sua visita e elogios, embora não saiba bem se os mereço!

Voltem sempre!!

Beijos

Filipe Chamy disse...

Ni!

Eu compartilho de sua observação sobre a escrita do Barrie. E acho que os bons escritores infantis (e os bons escritores) passam longe de serem apenas "descrevedores de ações", sabe? É por isso que tantas adaptações dessas obras são burocráticas, pobres: as personagens fazem as mesmas coisas, dizem os mesmos diálogos — mas as boas obras vão muito além de uma enumeração de passos a cumprir/cumpridos. Em Barrie há todo um mundo descrito, é certo; mas seu estilo fluido e sugestivo é muito particular e não basta apenas ordenar as ações das personagens e as situações do livro para dar conta da imensa beleza que é esse romance. É como Lobato, como Carroll e como todos os outros prosadores para a juventude que ficaram célebres: é não só O QUE contar, mas COMO contar. E Barrie conta lindamente.

Sobre os mundos fantásticos, também de acordo: é ver com os olhos da infância, e não ver com olhos "reais" as coisas que são despropositadas. A mágica não é sempre uma questão de ótica?

P.S.: Essa primeira frase do livro me arrepia. Perfeição.

P.S.2: Que lindo esse frontispício que você colocou aí.

Lúcia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lúcia disse...

Concordo com tudo que você falou!
Isso do burocrático é muito verdade. Uma trama interessante por si só não garante envolvimento com o mundo criado, com o protagonista... e isso faz toda a diferença. Já pelo final do livro, no meio da narrativa Barrie começa a descrever a Mrs. Darling e acrescenta:"Some like Peter best, and some like Wendy best, but I like her best" e com isso reverte qualquer impressão de que as crianças tinham mais é que ficar na terra do nunca. Muito difícil conseguir isso em adaptações.

Fico feliz que tenha gostado do post! Quem sabe em breve não comento algo sobre Alice? :)

Filipe Chamy disse...

Ei, acabei de ver que não havia mesmo respondido. E eu adoro essa frase do Barrie sobre a Mrs. Darling. Que tom perfeito, que graça absurda! Parece mesmo a espontaneidade de uma criança...