domingo, 29 de dezembro de 2013

Monumental

Já falei aqui que nossa Road Trip teve bastante inspiração cinéfila. Pois bem, muito da motivação de conhecer o oeste americano veio de filmes como os abaixo:

Rastros de Ódio  (The Searchers) - John Ford (1956)

Era uma vez no Oeste (C'era una Volta il West) - Sergio Leone (1968)

De Volta para o Futuro 3 - Robert Zemeckis (1990)

Na Trilha do Sol (The Sunchaser) - Michael Cimino (1996)

Acho que vocês pegaram a ideia...

Essas formações rochosas impressionantes se concentram na região do Four Corners (junção dos estados de Arizona, Utah, Colorado e New Mexico). Todos esses filmes e muitos outros foram filmados no tal Monument Valley, na fronteira do Arizona com Utah.

Lista de Filmes feita pelo The View Hotel
Ao chegar no Monument Valley entendemos logo a popularidade da locação. As formações, além de belíssimas, dão uma dimensão de profundidade incrível. E poder fotografá-las de diversos ângulos torna o parque um verdadeiro playground para entusiastas da fotografia.

East Mitten e West Mitten

Mesas e Buttes vistas do Goulding's Lodge

Formações e artesanato Navajo

Mesas e Buttes vistas do Goulding's Lodge

Também não foi difícil reviver os filmes na paisagem.

Foto minha (em cima) e cena do filme The Searchers (embaixo)

Os pontos de interesse muitas vezes recebem nome das pessoas que tornaram o local marcante.

Be no John Ford's point - homenagem ao diretor é dada em função de cena emblemática de The Searchers

A vista que temos onde atualmente se encontra o The View hotel supostamente era o local preferido de John Wayne

Deixo vocês com o amanhecer filmado da nossa varanda. Dizem que se prestar atenção dá pra ver o Papa-Léguas passando...


Vídeo do nascer do sol visto da varanda do nosso quarto no The View Hotel

domingo, 22 de dezembro de 2013

Inesquecível


Já tem mais de um mês que voltei da viagem inesquecível pelo oeste dos EUA e até hoje não sabia por onde começar a contar dela aqui no blog.

Mas acho que realmente é imprescindível falar dela como um todo antes de entrar nas recomendações de restaurantes no Orange County e de hotéis no Monument Valley.

Foram 3 amigos, 3 semanas, 1725 milhas (mais de 2700 km), 4500 fotos e paisagens com deserto, montanhas, florestas, neve, praias, megalópoles e às vezes vários dos itens acima ao mesmo tempo.

Nós escolhemos a época da viagem em função das férias no trabalho (eu precisava fazer um ano de empresa para conseguir ir) e demos uma sorte incrível. Não houve uma gota de chuva, não passamos mal de calor no deserto e não tinha fog/smog em San Francisco. Além disso, não houve terremotos e nem esbarramos com ursos ou escorpiões, o que pra mim foi uma vitória (independente da probablidade pequena dos eventos descritos). Só estava um pouquinho frio para mergulhar no mar e beeem frio de noite no deserto, mas até que estávamos equipados para isso.

A viagem foi muito bem planejada. Além de dezenas de filmes vistos anteriormente para entrar no clima (afinal a viagem foi bem cinéfila, mas isso mostrarei aos pouquinhos por aqui), fizemos uma senhora playlist para escutar no nosso Chevy alugado. Chegar em Vegas de noite ouvindo Tumbling Dice e curtir a minha querida San Franciscan Nights próxima ao último destino da viagem certamente tornou os momentos ainda mais especiais.

E não dá pra falar da viagem sem agradecer os queridos Bernardo Versiani e Felipe Quintella.

Be no Yosemite National Park

Be, obrigada a ter me motivado para essa empreitada e por sua enorme atenção ao planejamento, roteirização e preparação de material (seus mapinhas que tanto ajudaram) para tornar a viagem tranquila e agradável como foi. Obrigada por ter me acompanhado em tantos museus e aventuras gastronômicas e receber tudo tão bem.

Quin escalando o Grand Canyon

Quin, obrigada por ter animado a gente a não deixar essa viagem engavetada, por ter dirigido tanto quando estávamos todos cansados e ter tirado fotos embasbacantes que ajudaram a mostrar quão incrível foi essa viagem. Obrigada por estar sempre ligado e nos salvar quando a gente ficava meio perdido e ter topado todas nossas maluquices sempre com um sorriso no rosto e animação total.

Amo vocês!

Nós e Los Angeles vista do Griffith Observatorium. Foto linda do quin (com timer, naturalmente)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Top ou pas top

Que Paris é uma cidade linda, todo mundo sabe. E não são poucos os locais que oferecem vistas privilegiadas da cidade, mas nem sempre se há tempo (e dinheiro) para subir em todos os mirantes. Por isso, resolvi listar alguns dos mais populares belvederes para quem está indeciso. E já que estamos falando do topo das atrações turísticas, resolvi classificar cada vista de acordo com as expressões francesinhas "top" (para quando algo é muito bom) e "pas top" (quando não é nada demais).


Tour Eiffel

Montmartre e Musée du Quai Branly vistos da Torre

Um dos principais pontos turísticos da cidade, a torre continua hoje como um monumento controverso... mas eu acho linda! Porém como todas grandes atrações de cidades turísticas, as filas costumam ficar enormes e pode valer planejar a visita com um pouco de antecedência, comprando ingressos pela Internet (confesso que nunca o fiz). Por outro lado, a altura e localização privilegiada tornam o local mais fácil de avistar os lindos monumentos da cidade. Além disso, a torre conta com plaquinhas com fotos que ajudam a identificar os pontos turísticos, o que é muito bom para quem não conhece a cidade muito bem. De todo modo, se o tempo permitir, gosto de deixar essas subidas para o final da viagem, para a identificação ficar mais emocionante, uma vez que já passamos pelos monumentos e criamos afetos por eles.


Eu e vista para Grand Palais (il y a longtemps...)
Subida: elevador ou escada
Tarifas: 14,50 € até o topo de elevador
            8,50 € até o 2o andar de elevador ou
            5 € até o 2o andar de escada
Horários e informações: http://www.tour-eiffel.fr/
Classificação: Top


Arc de Triomphe

Av des Champs Elysées vista do Arco do Triunfo
Localizado no meio da estrela (por isso a região é chamada étoile) formada pelo cruzamento da famosa Av des Champs Élysées com mais 11 avenidas, o arco é um must see. Porém a vista do topo não é a das mais privilegiadas, já que essa região de lojas de alto luxo não possui tantos monumentos e o arco não é alto o suficiente para permitir a observação da cidade inteira. A subida conta com alguns painéis contando a história do monumento e exposição de alguns objetos, mas em minha humilde opinião, não é suficiente para ocupar o tempo de uma viagem curta.


Eu e a torre ali pertinho


A feiosa Torre de Montparnasse vista do Arco

O outro lado da cidade: La Défense
Subida: elevador apenas até a altura do museu, restante da subida de escada.
Tarifas: inteira 9,50 €, menores de 18 anos entram de graça.
Horários e informações: http://arc-de-triomphe.monuments-nationaux.fr/fr/ 
Classificação : Pas top


Montmartre

Meu primo André e Beaubourg e Notre Dame lá no fundo

Como mostrei aqui, o bairro boêmio retratado em filmes como Amélie Poulain e Moulin Rouge possui um belo mirante gratuito. Infelizmente, como o bairro não é tão central, muitos dos monumentos ficam distantes e pequenininhos. Mas até os telhados de Paris são fofos e dá pra curtir bastante a vista. Além disso, o ambiente é charmosíssimo, cheio de artistas de rua e bem badaladinho de noite.

Alberto, Eu, André e Marcela e os telhadinhos
Subida: de funiculaire (com ticket do metrô) ou escada
Tarifas: de graça
Horários e informações: 24h, é só subir
Classificação: Top


Basilique du Sacré Coeur

Eu e a vista da Sacré Coeur para a Torre
A Igreja de estilo Neo bizantino localizada em Montmartre é lindíssima no exterior e no interior, com mosaicos adoráveis. A subida no topo da igreja permite uma vista abastada da cidade, mas não é tão mais interessante que a vista da porta da igreja.

Subida: apenas escada, 300 degraus.
Tarifas: a entrada na igreja é de graça, mas para subir é 6 €.
Horários e informações: http://www.sacre-coeur-montmartre.com/ 
Classificação: Pas top
(Vão a Montmartre, vejam a vista do bairro e entrem na igreja, mas não precisa subir nas torres dela)
 

Tour Montparnasse

Admirando a Torre
Se a Torre Eiffel é controversa, Montparnasse é unânime. Unanimemente considerada horrorosa, um bloco preto que nada tem a ver com a cidade. E até por isso, é considerada a melhor vista de Paris, pois é o único lugar em que você não vê a Torre de Montparnasse ;)
Como a outra torre, ela tem uma infra boa para identificar os monumentos da cidade, mas boa parte dela é toda envidraçada (exceto o terraço visto na foto acima). Além disso a região não é das mais turísticas (embora seja um bom local pra se hospedar em termos de custo x benefício) e o détour pode ser desnecessário.

Proximidade ao Luco (Jardin de Luxembourg) é interessante

Duas torres
Subida: elevador
Tarifas: inteira 13,50 €.
Horários e informações: http://www.tourmontparnasse56.com/
Classificação: Pas top


Notre Dame

Gárgula dando beijinho na Tour Saint Jacques - Foto da priminha Natália Lima
Sou suspeita pra falar, porque pra mim a Notre Dame é a primeira atração a ver em Paris (falei um pouco dela aqui). Apesar de o estilo gótico ser quase unanimidade nas igrejas parisienses, nenhuma é como ela. E para subir, tem a excelente vantagem de estar absurdamente central - fica na Île de la Cité, ilhota no meio do Sena dentro da qual a cidade se localizava em seus primórdios e em volta da qual a cidade cresceu.
E até por não ser tão alta quanto as torres, você se sente mais próximo dos monumentos. Fora as fantásticas gárgulas que compõem a vista maravilhosamente. Recomendo em especial subir em horário que permita ver o por do sol - mas atenção, no verão isso pode significar dez horas da noite.

Eu e tia Lilian

Eu e tio Ivan
Subida: apenas escada, 422 degraus
Tarifas: a entrada na igreja é de graça, mas para subir é 8,50 €
            Menores de 18 anos entram de graça.Visita guiada: 15€
Classificação: Top!!

Obs.: As subidas no Arco do Triunfo e na Notre Dame são gratuitas no primeiro domingo de cada mês, mas ficam bem cheias.

É claro que isso vai de cada um, mas espero que tenham gostado da brincadeira e que sirva de orientação para quem está indeciso.

Uma última dica para quem vai passar pouco tempo da cidade é explorar os cantinhos com vista dentro dos museus a visitar. Destaco aqui o museu de arte moderna Centre Georges Pompidou (Beaubourg) e o relógio do Musée d'Orsay.

Galerinha curtindo a vista do Pompidou

Sacré Coeur vista do Pompidou

Torre Eiffel vista do Pompidou

Jardim das Tulherias visto do d'Orsay

Louvre visto do d'Orsay

domingo, 28 de abril de 2013

Precisamos falar sobre Carroll


Jeu de mots, traduzido literalmente como "jogo de palavras", é o termo francês para trocadilhos e demais construções que exploram a sonoridade similar de palavras distintas. Termo esse muito mais adequado para descrever um dos muitos talentos de Lewis Carroll. Afinal, Carroll brinca com as palavras. Como, por exemplo, na linda poesia concreta a seguir ilustrando a imaginação de Alice para a história de um rato, a partir de uma brincadeira entre as palavras tale (conto) e tail (cauda).


Típico charme que se perde em traduções. Alguns casos são difíceis de perceber mesmo para os que se arriscam a ler no original.
"The master was an old turtle - we used to call him Tortoise."
"Why did you call him Tortoise, if he wasn't one?" Alice asked.
"We called him Tortoise because he taught us."

Aqui precisei pronunciar em voz alta para perceber a homofonia, tamanha a distinção na grafia de tortoise e taught us (algo como tótâs, já que o inglês britânico praticamente não pronuncia o R). 

Para chegar a esse efeito, Carroll usa de conhecimento e malícia, como um músico que sabe qual nota tocar para nos fazer esperar ansiosamente pela próxima.

Em Através do Espelho, quando Alice está perdida na floresta com placas confusas indicando a casa de Tweedledee e o lar de Tweedledum, a surpresa é enorme quando o capítulo é finalizado por uma frase sem ponto final e de transitividade duvidosa.
(...) she recovered herself, feeling sure that they must be

Be o quê, oh céus? Cadê o objeto direto que a tia me ensinou?
E aí você vira a página e vê o seguinte:



E você junta tudo: "(...) feeling sure that they must be Tweedledum and Tweedledee". E aí que rimou. Entre os capítulos de um texto em prosa, ele faz poesia.

Carroll também incorpora personagens de outras histórias e canções infantis aos mundos que Alice visita - o que claramente influenciou seus fãs Barrie e Monteiro Lobato. Destaco a interação de Alice com Humpty Dumpty, personagem de uma nursery rhyme (tipo de canção tradicional destinada ao público infantil), que no livro de Carroll diz atribuir às palavras o significado que bem entende.

Alice e Humpty Dumpty e o texto de Carroll fazendo referência à letra da canção

When I make a word do a lot of work like that, I always pay it extra

Mas não só autores infantis foram influenciados por Carroll. Ele certamente foi responsável pela representatividade do gênero nonsense na cultura da Inglaterra - como nas letras insanas dos Beatles - e no humor mundial até os dias de hoje. E até por isso esses livros de 1860 permanecem atuais.

O mérito dessa fama não é só de Carroll: considera-se que nenhuma edição de Alice é completa se não trouxer as ilustrações de Tenniel. Carroll, que por diversas vezes conversa diretamente com o leitor, chega a mencionar as ilustrações em seu texto.

"Se você não sabe o que é um Grifo, veja a figura"

Tanto Alice's Adventures in Wonderland como Through the looking glass - and what Alice found there são repletos de belos poemas, das divertidas induções lógicas de Alice e de muita brincadeira com as palavras. 

Para encerrar, deixo vocês com uma provinha do poema Jabberwocky, no melhor estilo nonsense, que Alice encontra com letras espelhadas (naturalmente, afinal assim são os textos no mundo através do espelho) e depois pede pra Humpty Dumpty explicar.


Jabberwocky

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Le fond de l'air effraie*


Em uma pequena casa do interior, um jovem encontra uma mensagem de um náufrago dentro de um poço d'água. Philémon, personagem-título da principal série de quadrinhos do genial Fred, não segue os conselhos de seu asno de estimação e se deixa levar pela curiosidade - que o leva a uma terra fantástica. 

Philémon e o evento que desencadeou suas aventuras
Dois sóis, árvores de garrafas, centauros, casebres que se tornam mansões (mas apenas se você regá-las corretamente) e um velhote invariavelmente insatisfeito são apenas uns dos elementos inusitados do universo fantástico que Philémon descobre. Mas diferentemente de Oz, da Terra do Nunca ou do País das Maravilhas, qualquer um de nós pode abrir um atlas e localizar a fantástica ilha em que Philémon foi parar - a letra A do Oceano Atlântico.

Duas sombras, dois sóis
"A ilha não tem a forma de um A, ela é o A!"

Com desenhos psicodélicos e fascinantes que ultrapassam as barreiras dos quadrinhos de dimensões variadas (lembrando a série Little Nemo in Slumberland de Winsor McCay) e frases que dizem tudo - quando provavelmente não querem dizer nada - Fred nos envolve nas aventuras de Philémon pelas letras do alfabeto e sua realidade paralela.

Chacun sait qu'il n'a qu'un "O" sur l'eau de l'Océan

Como todo bom quadrinista francês, Fred também se utiliza de trocadilhos para tornar seus textos mais interessantes. O mais marcante, certamente, são as versões da frase "Le fond de l'air est frais" (traduzindo literalmente seria "o fundo do ar está frio"), comentário sobre o clima que se tornou o arquétipo da expressão que dizemos quando não há nada a dizer. Fred gostava tanto dessa expressão que, além de torná-la uma citação corrente da série de Philémon, também a usou como inspiração e título para uma outra bande dessinée e para uma música (!) gravada por Jacques Du Tronc.



O saudoso Fred acabara de lançar o último volume da série (Le train où vont les choses) quando nos deixou na terça-feira passada. De autor rejeitado e incompreendido para vencedor do Grande Prêmio da Cidade de Angoulême (provavelmente principal menção do mundo da BD), Fred intercalava o humor com um certo tom de melancolia, sendo justamente considerado um poeta dos quadrinhos. Vai deixar saudades.

*Tradução literal: "o fundo do ar assusta"