domingo, 19 de junho de 2016

Winnie-the-Pooh


Ainda na minha deliciosa missão de ler os clássicos infantis e entender o que fizeram deles clássicos, trago aqui algumas notas sobre uma obra que de tantas versões pouca gente lembra que já houve um livro: Winnie-the-Pooh.

Sim, sim, estou falando sobre o Ursinho Puff, consolidado como personagem de desenhos da Disney. E me parece perda de tempo explicar que se trata das situações vividas pelos bichinhos (de pelúcia) do Christopher Robin, enquanto você provavelmente está aí decidindo se seu preferido era o Tigrão ou o Leitão. Mas, correndo o grande risco de soar repetitiva, em verdade vos digo: a leitura do livro de A. A. Milne proporciona sorrisos e até gargalhadas que se perdem nas adaptações.

As deliciosas ilustrações de Shepard, que veio a odiar o ursinho Pooh e o impacto em sua carreira, alegram a leitura

Como Carroll, Milne brinca muito com as palavras - suas sonoridades, a pluralidade de significados que elas podem ter... E isso naturalmente se perde em adaptações, e no mínimo exige muita criatividade dos tradutores. É o caso dos Efalantes e das Danonhas (Heffalumps e Woozles), representações de formas fofas que crianças falam algumas palavras longas e complicadas (no caso elefantes e doninhas). O sotaque britânico parece tornar essas misturas ainda mais frequentes e mais uma vez me vi lendo em voz alta para entender por que que quando o Christopher Robin chamou Pooh para uma expedition, Pooh respondeu "What's an Expotition?".

No mesmo capítulo os bichinhos saem pela floresta à procura do Pólo Norte (North Pole) e sem saber muito o que esperar, se dão por satisfeitos ao encontrar uma estaca (Pole, tipo Pole Dancing).

Where did you find that pole?

Lembro de ter aprendido no curso de inglês que a expressão "named after" era usada quando um nome era dado em homenagem ou referência a algo ou alguém. Eu ficava querendo forçar uma explicação de se usar uma palavra que significa depois dentro dessa expressão. Algo no sentido de "se meu nome foi em homenagem à Narizinho do Monteiro Lobato, meu nome só pode ter vindo depois do dela". Então "I was named after her". E assim memorizei a expressão, sem me preocupar com a veracidade da teoria.

Mas na ocasião não me toquei que essa estranheza também pode ser sentida por nativos da Inglaterra e suas colônias. Afinal, crianças também levam um tempinho para se adaptar a essas nuances das linguagens e por isso muitas vezes prendemos o riso quando vemos elas criando frases que, convenhamos, fariam bem mais sentido do que as gramaticalmente corretas. E Milne aborda esse caso específico de uma forma hilária quando Piglet (Leitão) está insistindo que o nome de seu avô era Trespassers W:
Christopher Robin said you couldn't be called Trespassers W, and Piglet said, yes, you could, because his grandfather was, and it was short for Trespassers Will, which was short for Trespassers William. And his grandfather had had two names in case he lost one - Trespassers after an uncle, and William after Trespassers.
A lógica infantil de Pooh também serve de ilustração para a Teleologia de Aristóteles, em que tudo na natureza possui um propósito que justifica sua essência. No vídeo abaixo, vemos Michael Sandel citar um trecho do livro em sua aula sobre o filósofo grego.


That buzzing-noise means something. You don't get a buzzing-noise like that, just buzzing and buzzing, without its meaning something. If there's a buzzing-noise, somebody's making a buzzing-noise, and the only reason for making a buzzing-noise that I know of is because you're a bee. (...) And the only reason for being a bee that I know of is making honey. (...) And the only reason for making honey is so as I can eat it.
Não só de gracinhas é feito o livro. As histórias transbordam uma sensação de carinho. Carinho do pai (narrador) contando as histórias para o filho (Christopher Robin), carinho do Christopher Robin pelos seus bichinhos, carinho dos bichinhos entre eles... E o que é mais lindo: tudo contado como fatos verídicos, sem aquele alerta chamativo de que você está prestes a entrar em um mundo de "faz de conta". Dá praticamente para visualizar o Bill Watterson relendo esses livros e se inspirando para Calvin e Haroldo... Mas uma paixão por vez, e outro dia volto para falar dessa duplinha por aqui.

6 comentários:

Filipe Chamy disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Filipe Chamy disse...

Adorei seus comentários linguísticos! Pra mim esse é a essência de Pooh, brincar com a linguagem. Nas animações os intentos são outros, mas às vezes tentam resgatar isso (daí a insistência em falar de livros e toda a metalinguagem do último longa).

Deu vontade de reler tudo agora para reencontrar essas belezas! E nunca havia me tocado que woozles eram weasels originalmente! E você conhece doninhas por daninhas ou isso foi inconsciente? :)

Discordo apenas quando você diz que não são obras muito célebres. O Brasil não é muito parâmetro nessa questão, mas pelo que sei esses livros do Milne são clássicos famosíssimos nas terras anglófonas! Vivem sendo citados, relançados e reverenciados. Tem muita gente que torce o nariz pras adaptações, sobretudo as disneyanas.

Lúcia disse...

ooops! Erro de digitação (ou de confusão mesmo) devidamente corrigido :)

Forcei a barra mesmo dizendo que "pouca gente" lembra do livro. Foi minha frustração falando mais alto, mas concordo que é um clássico (comecei o texto mencionando isso, por sinal!).

E definitavamente não torço o nariz para as adaptações Disneyanas. Me propus a falar só do livro pois o post estava ficando longo, mas no mesmo dia que li o livro (pela primeira vez em inglês) revi o longa de 77 e achei lindas as referências visuais às páginas do livro (o que também me encantou no Livro da Selva, lançado esse ano). Agora estou para ver o filme de 2011, cujos trechos que bisbilhotei na tv a cabo me pareceram promissores! :)

Filipe Chamy disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Filipe Chamy disse...

Comente depois o que achou!

Ah, suas ressalvas foram mais que ok, eu que sou chatão mesmo.

Eu já vi todos os longas animados do Pooh disneyano, pelo menos os feitos à mão, e agora quero ver a série animada! (Viciado, I confess).

Camilla Gonçalves disse...

Que amor! Fiquei com vontade de ler. No original, claro.