domingo, 6 de julho de 2014

Adeus, cine Leblon


Não é fácil colocar em palavras minha preferência por cinemas de rua. As palavras que vêm à minha cabeça são intangíveis e subjetivas como “charme”, “vibe” e “clima”. Talvez seja mesmo uma preferência irracional se compararmos com as vantagens técnicas dos complexos multi-salas, com diversas opções de filme e horários intercalados, mais fácil de achar algo que atenda a agenda e preferências de um grupo, por exemplo.

Mas de alguma forma essa percepção se traduz na minha memória seletiva. Os filmes que vi no cinema Leblon tiveram a localização como fator marcante: lembro que vi lá Toy Story aos meus 8 anos e ao fim do filme caminhei pelas ruas com meus pais comentando sobre o conceito dos brinquedos tomarem vida na ausência dos humanos. Já Toy Story 2, lançado 4 anos depois, lembro de ter ido com um grupo de amigas ver em algum shopping da Barra, mas não lembro qual deles foi. A regra se aplica da mesma forma a cinemas de rua que frequentei menos, como o saudoso Paissandu e o Roxy (onde vi Ace Ventura e virei fã do Jim Carrey). Já as memórias dos multiplex se confundem - lembranças de filmes em salas genéricas, padronizadas, em que não consigo etiquetar a localização em minha memória.

Dá para suspeitar da causa dessas lembranças mais claras que outras. A própria arquitetura desses cinemas de rua, com seus halls de entrada majestosos (sem falar no incrível ‘fumoir’ do Paissandu) já tornava a experiência mais marcante, seja nos filmes cuja estréia esperei ansiosamente ou naqueles que cheguei cinco minutos antes da sessão perguntando para a pessoa ao lado “o que vamos ver mesmo?” (como Bend it like Beckham que vi pelo Festival do Rio também no cine Leblon).

No caso do Leblon, foi mais do que isso. Foi uma relação importante que ajudou a construir minha cinefilia, mesmo com o perfil mais blockbuster de seus filmes - ao menos de 95 para cá, quando começam minhas memórias. Quando comecei a estudar no turno da tarde em um colégio a dois quarteirões de distância do cinema, não havia opção melhor para às 6as feiras à noite. O programa virou rotina (quando a mesada permitia e havia novidade em cartaz, afinal eram só duas salas com um filme em cada) e me fez perceber que os filmes eram, para mim, mais do que um simples pretexto para continuar papeando com os amigos depois do colégio. A saudosa locadora "Abracadabra" também no bairro completava com vhs antigos e alternativos a espera por novas estréias.

Foi no Leblon que fiquei tensa na cena do Tom Cruise pendurado pelos ares em Missão Impossível (96), vi o filme mais esperado de 1997 (Titanic, que projetou Di Caprio entre as coleguinhas da 4a série) e descobri questões filosóficas vendo O Show de Truman no ano seguinte. Anos depois esse cinema acolheu o auge da minha empolgação por Tarantino, projetando o tão esperado Kill Bill 2 no Festival do Rio e também meu preferido desse diretor: À Prova de Morte.

Aparentemente essa semana o cinema Leblon interrompeu suas atividades, sem muita definição sobre se e quando retornará à ativa. Foi um baque para mim, que mesmo após o fim da minha fase assídua, sempre fiz questão de retornar. Até sua última sexta-feira (27/6), em que me despedi da suas sessões de estréia assistindo ao lindo Jersey Boys (do Clint Eastwood, sobre Frankie Valli and the Four Seasons).

Apenas posso imaginar como isso deve ter afetado quem viveu os tempos áureos do cinema de rua, numa época em que Cinelândia não parecia um nome aleatório de uma estação de metrô. Afinal, o Odeon, local de inesquecíveis noites de gala do Festival do Rio com presença de diretores e elenco dos filmes exibidos, também está parado.

Espero que se encontre um modelo de negócios que viabilize a manutenção das salas e que o "adeus" do título desse post se revele como um "até logo". Em todo o caso, fica aqui meu agradecimento pelas excelentes experiências nesse local que me fazia me sentir em casa.


4 comentários:

Camilla disse...

Me deu vontade de ter feito parte da história do Cine Leblon. Ou melhor, dele ter feito parte da minha história :(
Que seja apenas um até logo!
Beijos

Lúcia disse...

Pois é, Camillinha! Quando o Paissandu fechou fiquei com essa sensação que você falou, porque fui pouquíssimas vezes lá...
Agora só resta torcer.
Pessoalmente acho que se fizerem salas menores e optarem por uma seleção de filmes mais alternativa o cinema ali tem espaço sim!

Ju Oak disse...

Muitas lembranças felizes, Lu :/ Aqui em Sampa o Belas Artes fechou, mas por pressão popular vai ser reaberto, possivelmente ainda esse mês. Quem sabe os cariocas também não conseguem reverter a situação do Cine Leblon? :)

Lúcia disse...

Oi, Ju!

Pois é, tomara que volte, mas de um jeito que atraia efetivamente o público e não seja um mico na mão de quem tiver administrando. Porque se voltar e a taxa de ocupação continuar baixa, não vai durar muito tempo :(